Empresa que Inova
Compra da Villares Metals por grupo austríaco eleva investimento em P&D; aços especiais alcançam sucesso no mercado internacional Janaína Simões Em 2007, a Villares Metals, situada em Sumaré, interior de São Paulo, registrou um recorde: fabricou 85 mil de toneladas de produtos, 7,4% de aumento em relação a 2006. A produção gerou receita líquida de US$ 492 milhões e US$ 73 milhões de lucro líquido. A razão do sucesso da empresa – adquirida em 2004 pelo grupo siderúrgico austríaco Böhler-Uddeholm AG – é sua competência na produção dos chamados aços especiais de alta liga. Os aços da Villares Metals concorrem, com sucesso, no mercado internacional; foi a expertise da empresa que chamou a atenção da multinacional austríaca e que levou à decisão de compra. Essa expertise começou a nascer no meio da década de 1970, quando a então Aços Villares criou seu centro de pesquisa e desenvolvimento. Ao longo de 30 anos, o centro se manteve em funcionamento. Mas após a aquisição da empresa pelo grupo Böhler, o investimento em P&D deu um salto. Em 2003, antes da compra, a Villares investiu 593 mil euros (US$ 858,49 mil, pela cotação de 19 de setembro) em P&D&I. Em 2008, o valor já ultrapassa a casa dos 2 milhões de euros (US$ 2,9 milhões). A cifra representa aproximadamente 0,5% do faturamento. “Os aços da Villares Metals têm alto valor agregado e demandam conhecimento profundo da sua metalurgia. Isso nos leva à necessidade de ter forte atividade tecnológica, de pesquisa, desenvolvimento e inovação”, explica Celso Antonio Barbosa, gerente de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento da empresa. Ele conta que o aço comum é o mesmo há cem anos. “Mas toda hora está sendo lançado um aço de alta liga melhorado, porque à medida que começamos a colocar muitos elementos de liga, temos infinitas combinações”, explica. Aços comuns resultam de ligas de ferro com manganês e carbono, basicamente. Um aço especial de alta liga tem cromo, tungstênio e outros elementos. Diferentes composições atendem a diferentes especificações e necessidades. Peso da pesquisa e desenvolvimento Os produtos desenvolvidos pela área que Barbosa chefia nos últimos cinco anos respondem por 7,3% da venda líquida da empresa. Em 2003, a Villares Metals quis saber quanto do faturamento dela, naquele ano, havia resultado de produtos desenvolvidos desde que a área de pesquisa e desenvolvimento foi organizada na empresa, em 1974. Descobriu que 55% do faturamento vinha de produtos para os quais a área havia contribuído. As empresas de siderurgia têm produtos de ciclo de vida mais longos, por isso inovações antigas ainda estavam presentes no portfolio da Villares Metals. São sete patentes depositadas nos últimos cinco anos no País, nos Estados Unidos e na Europa. A empresa demorou a estabelecer a política de proteção dos seus inventos, daí o número pequeno de patentes. A demora se deu por conta do mercado protegido. Agora, com a internacionalização e uma política mais agressiva de exportações e a venda da companhia para um grupo estrangeiro, a empresa adotou uma política estruturada de proteção de sua inovação. Dois tipos de aços especiais de alta liga – os usados em brocas, lâminas de serra e ferramenta de rosca e os usados em válvulas de motores de veículos, resistentes a altas temperaturas e corrosão – são a especialidade da Villares Metals. Foram eles que chamaram a atenção do grupo Böhler quando este buscou a liderança mundial nesses dois nichos. Nenhuma das subsidiárias do grupo austríaco produzia em grande escala o aço usado em válvulas de motores. Hoje, a Villares Metals é líder na produção dos aços para válvulas de motores para os mercados europeu e norte-americano. Ligas especiais da Villares Metals estão, por exemplo, em válvulas de exaustão dos carros da Fórmula Indy, categoria do automobilismo norte-americano; ou em peças para implantes ortopédicos. A companhia produz ainda peças forjadas para a indústria do petróleo; e aço inox, para cutelaria, artigos de cozinha, implantes cirúrgicos e plataformas petrolíferas. Antes do final de 2008, a Villares Metals lançará um aço para uso na fabricação de moldes para plásticos, resultante dos investimentos em P&D. “Esse aço tem menor custo de produção. Usa menos elemento de liga, menos recursos naturais, menos energia, ou seja, tem um processo de fabricação simplificado. É um aço verde”, orgulha-se Barbosa. Dos laboratórios da empresa também sairá a chapa de aço de alta resistência para os blindados a ser construídos para o Exército brasileiro. A Villares Metals na Böhler-Uddeholm AG A Villares Metals passou a se chamar assim após a compra da antiga Eletrometal pela Aços Villares, em 1996. Em 2000, o grupo espanhol Sidenor passou a ter 52% das ações do grupo Aços Villares. Em 2004, a Villares Metals foi vendida pela Sidenor para a concorrente, a multinacional austríaca Böhler-Uddeholm AG, que adiou seus planos de montar uma empresa na China para produzir aços especiais na Ásia e preferiu comprar a firma brasileira. As principais empresas produtoras do Grupo Böhler-Uddeholm estão na Áustria, Suécia, Alemanha e no Brasil. O grupo possui 150 unidades comerciais próprias em 50 países, nos cinco continentes. Em balanço divulgado em fevereiro deste ano, o grupo Böeller anunciou ter tido lucro líquido de 248 milhões de euros (US$ 359,03 milhões) em 2006 e de 325 milhões de euros (US$ 470,5 milhões) em 2007. A Villares Metals, hoje subsidiária brasileira da Böhler-Uddeholm, é uma siderúrgica semi-integrada. Siderúrgicas são chamadas de “integradas” quando produzem aço a partir do minério de ferro. A Villares Metals é semi-integrada porque parte de sucatas e ferros-liga para fabricar seus aços especiais – por isso, também é chamada de “recicladora”. Um de seus principais concorrentes no Brasil é o grupo Gerdau. Investimento em P&D em 2009 A Villares Metals deve investir 2,1 milhões de euros (US$ 3,04 milhões) em P&D no Brasil em 2008. A área tem 22 funcionários, 13 deles com nível superior. Oito engenheiros com mestrado ou doutorado concluído ou a finalizar estão na carreira de pesquisador; há sete técnicos, todos com nível superior; e sete pessoas que trabalham em outras áreas de apoio à atividade do centro de P&D. No grupo Böhler, como um todo, há 160 pesquisadores; em 2007, o investimento em P&D alcançou 25 milhões de euros (US$ 36,19 milhões), 1,2% do faturamento da multinacional. Para 2009, o investimento da Villares Metals fica praticamente estável: a previsão é de 2,2 milhões de euros (US$ 3,18 milhões) em P&D. A média dos investimentos feitos entre 2003 e 2008 e a projeção para 2009 mostram que a empresa aplica em torno de 0,4% a 0,5% do faturamento em P&D. Segundo dados da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), a média das empresas de siderurgia que produzem aços especiais é de 0,27% no Brasil. A média mundial do setor siderúrgico, de acordo com Barbosa, é de 0,7%. A estabilidade em relação ao faturamento não revela o crescimento nominal do investimento em P&D: em 2003, a Villares Metals investiu 593 mil euros (US$ 858,49 mil); depois da aquisição da Böhler, o patamar do investimento subiu para 1 milhão de euros (US$ 1,45 milhão), chegando agora à casa de US$ 2,9 milhões. “A partir de 2004, por determinação da corporação, fizemos um plano de aumento dos investimentos em P&D, mas não estamos conseguindo acompanhar, em termos percentuais, o aumento do faturamento do grupo. Este cresce mais do que o investimento em P&D”, explica o gerente de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. Além da decisão da matriz de ampliar os investimentos em P&D no Brasil, a Villares Metals também contou com outro mecanismo que a motivou a gastar mais com essas atividades: os incentivos fiscais para inovação previstos na Lei 11.196/2005, apelidada “do Bem”. Desde 2006, a Villares Metals usa os incentivos. Obteve 357 mil euros (US$ 516,83 mil) em 2006; mais 430 mil euros (US$ 622,51 mil) em 2007; deve conseguir 576 mil euros (US$ 833,88 mil) em 2008 e 605 mil euros (US$ 875,86 mil) em 2009. A empresa também obteve recursos dentro do programa Subvenção Econômica para contratação de dois pesquisadores. Usa as bolsas do programa para formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (RHAE), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo qual a agência de fomento financia projetos de P&D de empresas que formem pesquisadores com alto nível de especialização. A Villares Metals também paga bolsas para doutorandos e pós-doutorandos que estejam trabalhando em projetos de interesse da empresa. Atualmente, um deles estuda na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e o outro está no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Estudam dois dias e trabalham três dias na empresa. Só a Villares Metals O aço que a Embraer usa no trem de pouso de seus aviões é fruto do trabalho de pesquisa e desenvolvimento da Villares Metals. A siderúrgica orgulha-se das várias certificações que atestam a qualidade de seus processos de produção e dos produtos que fabrica. Uma delas é a certificação de seus aços de aplicação aeronáutica obtida junto à Embraer. A Villares Metals é a única empresa instalada no Brasil a ter a certificação da Embraer para fornecimento de aços especiais. A Villares Metals é também a primeira empresa fora dos Estados Unidos a ter a homologação da GE Engines para produzir uma liga especial (de níquel), a INC 718, usada em turbinas de aviões. A homologação confirma para o mercado mundial que essa liga possui as características necessárias para ser empregada nas turbinas: é feita de um material muito homogêneo e resiste a pressões e temperaturas exigidas em vôo. Os aços “verdes” Uma das principais fontes de inovação da Villares Metals hoje é a causa ambiental. Além do “aço verde”, a empresa desenvolveu um “processo verde”, que fez frente ao aumento do preço das matérias-primas metálicas internacionais nos últimos quatro anos. “Elementos de liga, como o vanádio, praticamente quadruplicaram de preço. Por isso, desenvolvemos um conceito que já existia em nosso laboratório, retomado dos anos 1990: um aço que tem muito menos elemento de liga, mas que tem praticamente o mesmo desempenho do convencional”, revela Barbosa, sem dar detalhes do processo. Esse novo aço foi testado e aprovado por um cliente da Villares Metals nos Estados Unidos, um grande fabricante de um tipo de ferramenta, a broca. Também já foi aprovado por um fabricante no Brasil e está em teste na Argentina. “Queremos transformá-lo em padrão internacional. Esse é o grande segredo para o sucesso de um produto: virar padrão adotado por todos”, afirma. Outro produto ligado a demandas ambientais é um novo tipo de aço para válvula de motores que atende às normas Euro 5, da União Européia, que limitam a emissão de gás carbônico a 120 miligramas por quilômetro rodado. “Isso exigiu mudanças nos motores que levaram a índices de solicitação e corrosão das válvulas que não existiam antes”, diz. Os materiais usados hoje para trabalhar nessas condições são muito caros, feitos à base de níquel. Esse projeto, em teste com um cliente da Villares Metals na Alemanha, visa a oferecer ligas alternativas, mais baratas, intermediárias entre o aço e a liga de níquel, e com desempenho equivalente ao delas. Outras áreas de inovação Inovação em processos também faz parte do cardápio do P&D da Villares Metals. A empresa acaba de desenvolver um processo em que consegue transformar escória em espuma, o que aumenta a eficiência térmica do processo de produção do aço em até 6%. Outra área importante para a inovação é a de simulação. “As técnicas computacionais estão sendo fortemente estimuladas por nós. Ao invés de tentativa e erro, a modelagem computacional pode mostrar, por exemplo, como o aço se comporta quando está sendo deformado na prensa”, detalha Barbosa. Outra inovação, implantada em maio deste ano na fábrica, é a substituição do óleo por água em uma das etapas de produção do aço. Os blocos de aço são temperados no óleo para resfriar. Se jogados quentes na água, os blocos trincam e estilhaçam. “Por computação e experimentação, nossos pesquisadores viram como o núcleo de um bloco grande de aço se resfriava com óleo. Se colocássemos e tirássemos o bloco da água, conseguiríamos fazê-lo chegar à mesma temperatura resfriada que conseguíamos com o óleo, sem trincar o bloco”, explica. O tempo que o bloco deveria ficar na água e quantas vezes ele deveria ser mergulhado no líquido foi descoberto por simulação de computador. Pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp ajudaram a empresa com as simulações no tanque de água. A Villares Metals também desenvolveu para um fornecedor da Petrobras um aço especial para revestimento de poços de petróleo, que inova por ter maior resistência à corrosão. O produto é candidato a ser aplicado nas operações de exploração do petróleo localizado no pré-sal; no momento, está em uso na Bacia de Campos. “Acredito que precisaremos de um aço mais resistente à corrosão. Estamos discutindo agora os inoxidáveis austeno-ferríticos , conhecidos por isso como dúplex “, acrescenta. Esses aços são feitos com uma combinação de ligas que criam elevadas propriedades mecânicas e de resistência à corrosão. Eles são utilizados nas indústrias química, petroquímica, de papel e celulose, siderúrgica, alimentícia e de geração de energia. Ligas especiais: nicho de mercado recomendado pelos pesquisadores A entrada da Villares Metals nas ligas especiais foi uma idéia nascida no Centro de P&D da firma. As temperaturas do processo de fabricação dessas ligas, uma combinação de ferro, níquel e outros elementos como o cromo, são muito parecidas com as do ferro – o que possibilita a utilização das mesmas máquinas que produzem aços especiais na produção das ligas de níquel. E foram os pesquisadores do Centro de P&D da empresa que demonstraram para a direção da Villares Metals que era possível diversificar a linha de produção, partindo para as ligas de níquel, sem ter de investir muito na compra de equipamentos ou na alteração da linha de produção de aço.