30/08/2016
Assim que um usuário clica no botão de “comprar” em seu computador, smartphone ou tablet, o sistema da Amazon, maior e-commerce do mundo, repassa o pedido à instalação mais próxima do comprador. É nesse galpão que tem início uma série de procedimentos – que podem parecer caóticos para um ser humano – todos controlados por um sistema computacional.
À primeira vista, um visitante pode estranhar o fato de que as prateleiras no armazém não são divididas por categorias. Na maioria dos estoques de e-commerces, um funcionário teria que percorrer as estantes para encontrar o produto escolhido pelo comprador. Entretanto, a planta da Amazon é cheia de surpresas: as prateleiras são levadas até os funcionários por pequenos robôs, que também organizam os produtos nas estantes.
Ao longo de todo processo, o produto adquirido é escaneado diversas vezes por humanos e robôs, o que permite certificar se o item é o mesmo que foi vendido online e evita extravios. Funcionários têm métricas de produtividade, no mínimo, curiosas: após retirar um item da prateleira, há um tempo máximo para manuseá-lo, fazer a embalagem ou retorná-lo ao estoque caso o produto não seja o correto ou a compra não seja realmente efetivada – por simples desistência do cliente ou problemas constatados no pagamento. Parte desse controle de movimentação é repassado ao comprador, que acompanha o status do pedido pela internet.
O caso da Amazon é apenas um dos exemplos do uso da automação e interconectividade (pela internet) das atividades de manufatura. A chamada indústria 4.0, pelos alemães, ou manufatura avançada, pelos americanos e chineses, tem sido considerada a Quarta Revolução Industrial e “se insere nas tendências de computação em nuvem (cloud computing) e internet das coisas (IoT), que têm encontrado aplicação em diversas áreas”, como resume o professor e coordenador de graduação do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), Davi Nakano.
Robôs, sensores, algoritmos e humanos
O diretor regional do Senai de Santa Catarina e professor da Divisão de Engenharia Mecânica-Aeronáutica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Jefferson Gomes, explica que a lógica da indústria 4.0 reúne conceitos das outras revoluções industriais, antes dissociados. “Na última década, nós começamos a ter uma profunda integração norteada pela internet, big data, inteligência artificial e pelo drástico barateamento de sensores, periféricos e de bens de capital, como ferramentas e robótica”, explica Gomes.
Os sensores e a conectividade podem aumentar o número de informações e controle sobre a produção; algoritmos gerenciam o uso de recursos e adaptam a produção para diferentes necessidades; robôs realizam tarefas com mais efetividade e segurança. Essa é praticamente a “receita” de produtividade e eficiência na nova manufatura avançada.
Nakano, da Poli, aponta outro diferencial dessa revolução: a possibilidade de customizar produtos dentro de uma mesma cadeia de produção. “A produção de produtos customizados será facilitada devido à identificação e localização individual de cada produto dentro da fábrica, a produção descentralizada de peças de reposição será possível, através do controle de equipamentos à distância”, exemplifica o professor.
Outro recurso para a customização de produtos são as impressoras 3D, principal vedete dos FabLabs, que estão crescendo no Brasil. Jefferson Gomes lembra que o surgimento desses pequenos espaços industriais, nos quais um indivíduo ou uma comunidade podem fazer sua própria produção por meio de prototipagem 3D e placas de automação universais, também faz parte dessa mudança. Recentemente, a Fiat de Betim, por meio da universidade corporativa do grupo, incorporou um FabLab para auxiliar no desenvolvimento de assessórios para os veículos, conforme noticiou a revista Época Negócios, em março deste ano.
Oportunidade de mudança
Outro exemplo desse novo tipo de manufatura está nos bolsos e mãos da maioria das pessoas pelo mundo. As principais marcas do mercado de smartphones não desenvolvem seus próprios chips – utilizando até mesmo componentes de concorrentes. No entanto, essas gigantes tecnológicas investem fortemente na criação de novos produtos e recursos para utilizar todo o potencial das novas tecnologias.
“É fundamental que economias emergentes se qualifiquem para esse novo paradigma tecnológico. Os momentos de descontinuidade provocados por novas tecnologias são os mais propícios para que novos entrantes tenham oportunidades mais equilibradas com os competidores maduros. O Brasil pode se valer disso para recuperar e conquistar posição no cenário mundial”, comenta Nakano, um dos coordenadores do laboratório Fábrica do Futuro.
Criado com o objetivo de capacitar os alunos de engenharia de produção a trabalhar nesse mercado de novas tecnologias, a Poli desenvolveu esse laboratório, cuja ideia é permitir que os alunos sejam apresentados e pratiquem os conceitos mais atualizados de manufatura. Além de laboratório didático, a Fábrica do Futuro possibilitará também pesquisas, em parceria com instituições nacionais e internacionais, para a produção de novos conhecimentos.
O projeto faz parte de um ecossistema de inovação da área de engenharia de produção, que ainda inclui o InovaLab@Poli, um laboratório didático de prototipagem e fabricação digital e o laboratório Ocean, focado em aplicações digitais e implantado com apoio da Samsung.
A indústria 4.0 no Brasil
No início de abril, o relatório de tecnologia do Fórum Econômico Mundial revelou sete países como os pioneiros da Quarta Revolução Industrial. O critério adotado pela publicação foi o benefício econômico com os investimentos em tecnologias de informação e comunicação (as TICs) de cada nação. A lista destaca: Cingapura, Finlândia, Suécia, Noruega, EUA, Israel e Holanda.
Na América Latina, o desempenho dos países é disperso. O melhor colocado no índice é o Chile, que figura na 38ª posição global. O pior colocado da região é o Haiti, na 137ª posição. No ranking global, o Brasil figura na 72ª posição. Na região, o país ocupa a 7ª posição, atrás de Uruguai, Costa Rica, Panamá, Trinidad e Tobago e Colômbia.
“Com o objetivo de criar forças de inovação que são a chave para prosperar no mundo digitalizado e na emergente Quarta Revolução Industrial, muitos governos na região precisarão reforçar, urgentemente, os esforços para melhorar seus ambientes regulatórios e de inovação”, alerta o relatório do Fórum Econômico Mundial.
Para os especialistas, o país tem vários desafios para melhorar essa posição e entrar de vez na indústria 4.0. Dentre eles: a melhoria e barateamento da infraestrutura de comunicação, a modernização do parque de equipamentos instalado, discussão de legislações e regulamentações, além do treinamento e capacitação de pessoal.
Documento elaborado pela Confederação Nacional das Indústrias, também publicado em abril deste ano, reforça esses desafios e chama atenção para o fato de poucas empresas estarem inseridas no novo modelo industrial. Um dos motivos para a dificuldade de implantação do modelo, é a falta de trabalhadores qualificados. Além disso, o estudo mostra que para as grandes empresas a insuficiente infraestrutura de telecomunicações do país é o principal empecilho para isso, praticamente empatado com o item relativo à falta de trabalhador qualificado (30% e 28% de respostas, respectivamente). O estudo da CNI foi realizado com 2.225 empresas de todos os portes entre os dias 4 e 13 de janeiro de 2016.
Gomes concorda, dizendo que a nova indústria “exige recursos humanos mais bem qualificados, capazes de trabalhar com produtos de alta densidade tecnológica”. O professor do Senai e do ITA acredita que seja possível uma reforma no ensino para motivar e manter os novos talentos, além de recapacitar a mão de obra que não está integrada ao mundo digital.
Com isso em mente, podemos nos perguntar: o que acontece com os seres humanos na indústria 4.0? A era impulsionada pelo desenvolvimento e aplicação conjunta de áreas como inteligência artificial, nanotecnologia, impressão 3D, biotecnologia e aprendizado de máquinas deve causar um rompimento de modelos de negócios e, mais, de mercados inteiros nos próximos anos, prevê a pesquisa “O futuro do trabalho”, divulgada no Fórum Econômico Mundial, que aconteceu em Davos, na Suíça, no início de 2016.
A pesquisa ainda traz uma estimativa não muito promissora em relação ao emprego, isto porque a tecnologia deve provocar um corte de 7,1 milhões de postos de trabalho nos próximos cinco anos. A pesquisa foi realizada em 15 países, incluindo o Brasil, responsáveis por 65% da força de trabalho de todo o planeta. Para o mesmo período, há a previsão de criação de 2 milhões de postos – o que diminuiria o déficit de empregos para 5,1 milhões, ainda alto.
Outra informação da pesquisa do Fórum Econômico Mundial é de que 65% das crianças que hoje entram nas escolas, já irão trabalhar em funções que atualmente não existem, e Jefferson Gomes ressalta que é necessária uma mudança na mão de obra atual, que será afetada por esses cortes – estes trabalhadores precisam ser qualificados para os novos cargos exigidos.
(Por Tiago Alcântara e Carolina Neves, Inovação – Revista Eletrônica de P,D&I)