O Ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PCdoB), propõe um percentual das verbas do petróleo para as atividades de Ciência e Tecnologia que, injustificadamente, ficaram marginalizadas do benefício quando o Congresso regulamentou o pré-sal. Reabriu a discussão sobre o uso desses recursos em fóruns de autoridades e especialistas da área, para enviar brevemente ao Congresso uma proposta de emenda sobre o assunto. No projeto em que trabalha pretende indicar quanto deve ser destinado do petróleo para os fundos setoriais que financiam a pesquisa. Aldo Rebelo, ex-líder do governo, ex-ministro da Articulação Política, ex-ministro do Esporte e ex-presidente da Câmara, tem um plano de gestão para a Ciência e Tecnologia com uma prioridade clara à inovação. Com a experiência na coordenação das relações entre os poderes, o ministro analisou também, nesta entrevista exclusiva ao Valor, a crise política. Embora não veja saída fora das coalizões amplas, Aldo Rebelo afasta a possibilidade de ruptura. Reconhece que a atual aliança partidária ainda procura seu rumo, mas não nega que é preciso liderança firme para contornar crises políticas como a atual. Após falar sobre a crise política e econômica, a entrevista abordou questões relacionadas ao MCTI. Valor: Ninguém vislumbra uma prosperidade imediata no mundo, as dificuldades tendem a ser duradouras para todos. Aldo: Aconteceu a mesma coisa no começo do governo Lula. Em maio, o [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central] subiu a taxa de juros em dois pontos percentuais. Eu era líder do governo e como iria defender uma coisa dessas? Concluí que não tinha que defender a taxa de juros, mas o governo. O ajuste não é programa de governo, não é meta, não é objetivo. O ajuste é uma contingência para você criar condições para voltar a crescer e a se desenvolver. Isso foi assim em 2003 e deverá ser assim em 2015. Valor: As saídas não emergem porque, do ponto de vista tecnológico, somos um país onde a produtividade é decrescente. Aldo: Esse é o problema. O país está entre as dez maiores economias do mundo, mas na produção científica medida por meio da publicação de papers, caímos para 13º. Quando a referência é tecnologia, calculada pelas patentes, a situação é mais complicada, com exceção da agropecuária onde somos o terceiro. Quando vai para a área de inovação, é dramático, pois caímos para a casa dos sexagésimos. Valor: O Ministério teve altos e baixos ao longo de seus 30 anos de história. Qual é o seu plano? Aldo: O objetivo do Ministério deve ser a inovação. Reunir as energias e esforços do governo – ministérios, institutos de pesquisas, financiadoras – as universidades, que são financiadas via CNPq e Finep, e ter como finalidade remover os obstáculos do país. Valor: E por que não inovamos? Aldo: Investimos 1,7% do PIB em ciência, tecnologia e inovação. Ainda não é o suficiente. Mas o nosso sistema de institutos de pesquisa é razoavelmente sofisticado. Em algumas áreas temos pesquisadores de nível elevado. Não temos o número de empresas que os americanos têm, mas em alguns setores temos inovadoras com liderança comprovada, toda a área agrícola e empresas estrangeiras dispostas a investir em inovação. Valor: E o dinheiro para fazer esse casamento? Aldo: O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico tinha R$ 1,9 bilhão em 2011 e no ano passado foram executados R$ 2,8 bilhões. Temos muitos recursos. Valor: Mas não estão contingenciados? Aldo: Em parte. Quando Lula entrou, houve um acordo para descontingenciar os recursos dos fundos setoriais. No fim do governo, o contingenciamento chegou a zero, mas recentemente os fundos foram perdendo recursos. Cometemos o erro, o governo e as lideranças, de, ao regulamentar parte do pré-sal, destinar verbas apenas à saúde e educação como se as duas pudessem existir sem ciência e tecnologia. Valor: É possível mudar? Aldo: Na primeira reunião que fiz aqui no Ministério pedi a elaboração de uma proposta de quanto do pré-sal queremos para ciência, tecnologia e inovação. Precisamos dizer quanto queremos, por que e o que alcançaremos. Valor: De quanto o senhor estima precisar? Aldo: Não sei exatamente. O fundo do petróleo, que viria para cá, foi retirado na regulamentação. Mas os recursos vindos da renúncia fiscal multiplicaram-se. Eram R$ 209 milhões em 2006 e alcançaram R$ 2,1 bilhões em 2013. Valor: Quanto há hoje disponível nos fundos? Aldo: Estamos fazendo as contas após o contingenciamento. Mas isso não tem efeito duradouro. É uma prática nos últimos anos contingenciar no início do governo, mas nunca vi o corte ficar durante o ano. Temos também que ir atrás de receitas não orçamentárias como empréstimos e linhas de financiamento externo. Por último, não temos nenhuma obra no PAC apesar de termos investimentos importantíssimos para a infraestrutura. Valor: E a participação do setor privado? Aldo: O setor privado nunca esteve tão disposto a cooperar, compreender e apoiar a inovação. A Mobilização Empresarial pela Inovação, coordenada pela CNI, podia ser uma coisa politicamente esvaziada, mas o setor privado prestigia, os presidentes das empresas comparecem. Há também a Embrapii, que combina o setor empresarial e o governo. Em coordenação com a área empresarial também foram criadas as plataformas de inovação, onde escolhemos uma área de conhecimento e juntamos o que as empresas demandam com os institutos de pesquisa. Nosso problema é que as universidades do setor público liberam pouco tempo para que os pesquisadores possam se dedicar a um projeto privado. São pouco mais de 200 horas por ano. É quase nada. É preciso cuidar disso. Valor: A lentidão também contribui, a regulamentação da biodiversidade ainda não foi feita. Aldo: Quando o governo mandou a proposta de regulamentação da pesquisa, fabricação e comercialização de Organismos Geneticamente Modificados, a lei de biossegurança, o Brasil vivia uma moratória. A pesquisa estava interditada para tudo: ciência, indústria e medicina. O Brasil estava proibido de pesquisar células tronco. Quando isso foi regulamentado, ficou ainda uma dificuldade de acesso à biodiversidade e o pesquisador que trabalha com plantas pode ser acusado de biopirataria. Isso já está sendo mudado. A Câmara já aprovou a mudança e o projeto está no Senado e se vai poder pesquisar para fins industriais e comerciais. A ordem da presidente é reduzir ao máximo a burocracia e os impedimentos, sem abrir mão dos cuidados. Valor: Por que não acabar com o conteúdo nacional que está atrasando e encarecendo projetos? Aldo: O esforço de conteúdo nacional é ligado ao déficit em transações correntes, que no ano passado foi o maior da história do país. O buraco está na área de serviços e se olharmos o que é causado pelo aluguel de equipamentos e máquinas veremos que há sentido em fabricar pelo menos em parte. Não estamos tentando fabricar toda a máquina, mas pelo menos aquela de menor densidade tecnológica, como o casco da sonda. Valor: Não haverá uma flexibilização das regras de conteúdo nacional? Aldo: Isso não é uma decisão da minha área. Estou expressando minha opinião. O conteúdo nacional é parte importante da política pública que amarra transferência de tecnologia, geração de empregos e redução do déficit externo. E que deve se limitar apenas ao setor de petróleo. Valor: Por que o país não chega ao investimento de 2% no PIB na área de inovação? Aldo: Estamos agora propondo a integração das políticas de inovação do governo federal com os Estados. Muitos governos estaduais, até os menores, têm leis que obrigam o investimento em inovação. Se Alagoas vai investir no parque sucroalcooleiro, vamos ajudar, vamos apoiar. A Embrapii acaba de fazer editais para que os institutos de pesquisas das universidades possam trabalhar a partir de demandas apresentadas pelas empresas. Vamos trabalhar nos arranjos produtivos locais. Não adianta pensar em ciência e tecnologia só com os grandes, os pequenos também precisam de apoio. Valor: A proposta que o sr. mencionou de mudar a regulamentação do pré-sal exigirá um projeto de lei? O sr. já definiu quanto será necessário? Aldo: Temos que produzir um projeto que tenha uma proposta de um percentual e vamos distribuir isso entre o que vai para ciência pura, desenvolvimento tecnológico, inovação. O projeto terá que ter também uma promessa de resultados. Temos estatísticas preocupantes: nos últimos dez anos, o Brasil, na contramão do mundo, gerou 21 milhões de empregos. Só que 96% deles são empregos de até 1,5 salário mínimo. Apenas 4% são até dois mínimos. Perdemos 4,9 milhões de salários de mais de dois mínimos. Perdemos empregos de alta tecnologia e ganhamos empregos de baixa tecnologia. A estatística do MDIC sobre a complexidade dos produtos exportados mostra uma alteração na balança: estamos perdendo exportação em alta tecnologia e ganhando em baixa-média tecnologia, como papel, celulose. Valor: Quando o sr. foi indicado para o MCT houve críticas sobre inadequação ao cargo. O sr. cuidaria de inovação, mas apresentou um projeto, quando deputado, que impedia a automação dos postos de gasolina. No relatório do Código Florestal, o sr. teria questionado a relação entre o aquecimento global e a ação humana. Aldo: A Constituição tem um artigo que obriga que todo processo de inovação leve em conta o interesse dos trabalhadores. Isso era uma preocupação do presidente Fernando Henrique à época. Não é qualquer tecnologia poupadora de mão de obra. É uma tecnologia poupadora de mão de obra que atenda ao interesse público, que traga algum ganho de produtividade, de eficiência. No caso dos frentistas, além de não trazer nenhum ganho em tecnologia, trazia riscos à saúde de pessoas. Grávidas, por exemplo, não poderiam manusear as bombas de gasolina. Apresentei o projeto e foi o governo quem aprovou, o PSDB. O presidente Fernando Henrique chegou a reunir-se com os donos de postos, sindicalistas e o projeto foi sancionado numa grande festa para a qual nem fui convidado. Não houve manifestação de nenhum cientista sobre o assunto. Valor: E a outra restrição, do aquecimento global? Aldo: Se toda a polêmica sobre o aquecimento global tivesse sido introduzida por mim, não estaria aqui no Ministério. Estaria dando palestras mundo afora, teria um filme inscrito para ganhar um Oscar, um prêmio Nobel. O fato é que existe essa polêmica sobre a responsabilidade da ação humana no aquecimento global. Eu apenas resenhei isso no relatório sobre o Código Florestal. Acabei como o líder dos céticos no Brasil. Valor: Mas o sr. é um cético? Aldo: Não tenho as credenciais científicas para liderar nem o aquecimentismo (SIC) e nem o ceticismo em relação ao clima. Esse debate existe, eu não iniciei e não tenho condições de concluí-lo. Na época, também resisti a admitir que o metano emitido pelo gado estava destruindo a camada de ozônio. Por conta disso, agora, resolveram fazer um acerto de contas comigo. Guardaram esse ressentimento e agora abriram.
(MCTI e Valor Econômico)