06/07/2017
Palavra de ordem destes novos tempos, a inovação passou a fazer a parte da estratégia de países, empresas e pessoas. Em todos os níveis, esta velha novidade tornou-se quase uma obrigação. Digo velha novidade, pois o ser humano, de fato, sempre inovou, desde a dominação do fogo e da invenção da roda, por exemplo. O que estamos vivendo hoje é a universalização desse processo, com métodos e gestão.
No Brasil, o debate sobre inovação ganhou notoriedade nos últimos anos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Seguir o caminho das pedras e superar as obstáculos exige olhar tanto para as dificuldades, quanto para o que tem dado certo no país.
Um arcabouço dos avanços realizados no Brasil é o Anpei Exchange, portal criado pela Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) para difundir as melhores práticas de inovação em diferentes níveis de sua cadeia. Baseada nas experiências das empresas mais inovadoras do país, a iniciativa é uma excelente forma de compreender os nossos progressos nessa área.
Por outro lado, ao analisarmos os indicadores de inovação, alguns pontos saltam aos olhos. Se compararmos o percentual do faturamento aportado em P,D&I pelas empresas sediadas no Brasil com investimentos realizados em outros países, fica evidente uma aparente fraqueza do nosso país. Em 2014, as empresas no Brasil foram responsáveis por apenas 47,1% dos investimentos em P,D&I, enquanto nos EUA o número chegou a 64,1% e, na Alemanha, a 65,8%. Na Coréia do Sul o número foi superior a 70%.
Outro indicador, talvez o mais tradicional deles, se refere às patentes, que podem ser chamadas de calcanhar de Aquiles do sistema brasileiro de inovação. De fato, no Brasil, entre os 10 maiores depositantes de pedidos de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), seis são universidades e apenas quatro são empresas – Petrobras, Embraer, Whirlpool e Vale. O corolário deste dado é que as universidades não fazem apenas o seu papel de ensinar, mas também apoiam, de maneira firme, o país, inserindo-se no mundo da inovação e depositando patentes. É importante ressaltar que esse movimento das universidades é muito recente, datando-se dos últimos 10 ou 15 anos.
Essa conjuntura pode facilmente levar à impressão de que as empresas brasileiras não são inovadoras. Por que não patenteamos mais e por que o setor empresarial não investe um percentual maior de seu faturamento? Será que as nossas empresas não são inovadoras?
Vejamos alguns exemplos. A Embraer é inovadora? Certamente sim. Nenhuma empresa atua em um segmento tão competitivo como o setor aeronáutico sem ser inovadora. Desde o processo de soldagem utilizado para substituir rebites até os modelos computacionais, a Embraer é, certamente, uma das empresas mais inovadoras do país. Coincidentemente, é também uma das empresas brasileiras que mais deposita patentes no Brasil e nos Estados Unidos.
A Natura é inovadora? Com certeza sim. Criou, há décadas, um modelo de negócio baseado em conceitos modernos, como sustentabilidade e bem-estar; além de também estar entre os maiores depositantes brasileiros de patentes no Brasil e nos EUA.
Assim, achar que as empresas brasileiras não são inovadoras, desconsidera o fato de que a inovação é a alma da sobrevivência no mundo dos negócios. A Vale, por exemplo, não seria a maior mineradora de minério de ferro e níquel no mundo se não fosse altamente inovadora. Também a Vale é uma das empresas brasileiras que mais patenteia nos Estados Unidos.
A Whirlpool é outro exemplo marcante de empresa inovadora que atua no país. Nos últimos anos, ela também tem ficado no topo da lista de empresas brasileiras que mais deposita patentes no INPI e nos Estados Unidos. É interessante ver a quantidade de inovações em produtos (da linha branca) e de processos dentro dessa empresa no Brasil.
O baixo desempenho em inovação no Brasil, no agregado das empresas, não se deve, portanto, a inexistência de empresas inovadoras. De fato, esse baixo desempenho deve-se muito a diversos outros fatores, como, por exemplo, a insegurança jurídica e áreas de atuação em que se inserem as industrias ativas em P&D em nosso país.
No mundo, as empresas que mais patenteiam são dos setores de telecomunicações, tecnologia da informação, eletrônica, automobilístico e farmacêutico. Em todos eles, o Brasil é um grande mercado consumidor mundial, mas está longe de ter uma atividade relevante em P&D. E se temos baixo percentual de investimento industrial nessa área é porque nossa indústria eletrônica foi praticamente dizimada nas últimas décadas, nosso setor automobilístico depende, sobretudo, de P&D de fora do país, e nosso setor farmacêutico concentrou-se na produção de genéricos.
Mesmo nos setores nos quais as empresas estrangeiras baseadas no Brasil têm uma atividade de P&D relevante, este desempenho ainda é notadamente inferior àquele de países com nível semelhante de investimento em P&D. De fato, enquanto, na Espanha, a Hewlett & Packard (HP) depositou 172 patentes no USPTO entre 2011-2015, esse número foi de apenas 10 patentes para a unidade brasileira. No mesmo período, foram depositadas 109 patentes no USPTO pela Ericsson, também da Espanha, comparadas as nove da Ericsson Brasil. Há, é claro, exceções, como a IBM, cujo a unidade brasileira patenteou mais nos Estados Unidos do que a espanhola. Mas, exceções não fazem a regra.
Em resumo, quando olhamos para esse quadro, o que vemos é que a parte da indústria que faz P&D no Brasil, o faz em nível mundial, destacando-se em qualquer métrica setorial. A existência de incertezas jurídico-regulatórias e de um ambiente no qual os incentivos, como aqueles permitidos pela Lei do Bem, são sempre tratados pela lógica da arrecadação e não pela do incentivo, é o que prejudica o esforço inovador do país.
A Anpei, junto com diferentes outros atores, tem se esforçado muito para mudar esse cenário. Em um mundo globalizado, o posicionamento do Brasil em inovação depende de legislação, inspiração global e, principalmente, estabilidade regulatória. Nenhuma empresa pode ter o temor de investir em P&D sem a certeza de que o seu investimento será reconhecido como tal. O potencial inovador do Brasil tem que ser destravado. Inovação cria novos negócios e empregos, amplia mercados, e consequentemente, gera riqueza para a sociedade.
Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello
Vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e Gerente Executivo de Tecnologia e Inovação na Vale SA.
É também Diretor Presidente do Instituto Tecnológico Vale, entidade responsável por desenvolver pesquisas no setor de mineração e desenvolvimento sustentável para alavancar o crescimento do futuro da empresa. Médico, Mestre em Biologia Molecular e Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo. Realizou estágio em Pos Doutorado na Universidade da California – Los Angeles. Foi membro do CA-BF do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), coordenador adjunto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), além de Secretário Geral, Vice Presidente e Presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FESBE). Foi ainda Pró-Reitor de Graduação da Universidade Federal de São Paulo. É Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico (Insígnia da Grã-Cruz). Tem mais de 130 artigos publicados e 2 patentes concedidas na China, Europa, Japão, Coreia e Canadá. É ainda membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências. Linkedin