Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, pesquisadores da USP alertam que se o Brasil não estabelecer uma economia e sociedade sistematicamente inovadoras, corre o risco de perder terreno para outros países emergentes e não aproveitar as oportunidades apresentadas pela crise econômica mundial. Leia abaixo o artigo na íntegra: A economia mundial se recupera mais rapidamente do que o imaginado por especialistas. Muito dessa realidade se deve ao desempenho dos países emergentes – com destaque especial para a China -, que aumentaram sua contribuição no PIB mundial em mais de 20% no primeiro semestre deste ano. Nessas condições, ainda que a tese do descolamento das economias emergentes das avançadas tenha adormecido no embalo da crise, o contraste entre as performances recoloca a questão do decoupling com força redobrada. É o que sugere Jim O´Neill, do Goldman Sachs, criador do termo BRIC em 2001. Segundo ele, a economia mundial está cada vez mais dependente da capacidade de consumo dos países emergentes, em particular das grandes economias. Os trilhões de dólares injetados na economia pelos mais diferentes governos ajudaram a impedir uma tragédia do porte da de 1929. As consequências da reação estatal, porém, ainda estão longe de equacionamento adequado. Para citar apenas dois pontos espinhosos: 1) os governos nacionais, supostamente fragilizados pela globalização, responderam por maciços programas de proteção e estímulo dos mercados, e até mesmo com estatização, ainda que temporária, de grandes empresas; 2) apesar da posição de destaque ocupada pelos países emergentes, com a China à frente, sua participação nos fóruns internacionais relevantes está muito aquém de seu peso real na economia. Essa distorção ganha relevo no debate sobre as razões da crise, principalmente quando está em pauta a necessidade de mudanças na arquitetura das finanças globais. Mas há outro debate que apenas começou a ser feito e que se refere à resistência das grandes economias emergentes e a rapidez de sua recuperação. A China e a Índia já sinalizam a recuperação de suas atividades aos níveis de 2007 e lideram a retomada da economia mundial. Mesmo o Brasil, que reduziu o nível de sua atividade, dá sinais de que voltará rapidamente a níveis próximos registrados antes da crise. Na raiz desse desempenho diferenciado certamente se encontra o esforço de investimento em infraestrutura executado pelos emergentes, dado o seu poder de oxigenação e requalificação das estruturas do tecido econômico. No entanto, para que esse processo tenha consistência no longo prazo – como mostra a trajetória da China e da Índia – o investimento na absorção e geração de tecnologia é tão essencial quanto a elevação do nível de qualificação da população. Desse ponto de vista, apesar das diferenças sócio-estruturais entre os dois países, o investimento desenvolvido na China é de qualidade distinta do realizado entre 1940 a 1980, quando o Brasil também cresceu aceleradamente. Esse é o nó górdio de todo processo de crescimento que busca a sustentabilidade e que, infelizmente, nem sempre frequenta o debate econômico em quase todas as suas variantes. No Brasil, não raramente, os planos e discursos empresariais são pródigos em afirmar a necessidade da inovação e da evolução tecnológica. Mas o empresariado e o Estado brasileiros, apesar dos avanços, ainda investem pouco em inovação. Mais do que isso, os planos públicos e privados, em geral, convivem com dificuldades para manter seu foco na superação do desafio maior que trava o efetivo desenvolvimento nacional: a construção de uma economia e sociedade sistematicamente inovadoras. Especialmente em períodos de crise, os passos nessa direção podem se tornar mais lentos, uma vez que os agentes econômicos são pressionados a adiar os projetos de maior risco e a manter seus negócios distantes dos focos de incerteza – logo, as decisões que geram a inovação tendem a ser postergadas por cautela e prudência. No entanto, algumas economias mais aguerridas fazem o contrário e fincam o pé na inovação. Pesquisa com mais de 2,7 mil empresas americanas, europeias e asiáticas realizada pelo Boston Consulting Group (BCG) captou as estratégias de crescimento em meio à crise. A maioria dos empresários reafirmou que a inovação permanece como sua prioridade estratégica. Mais ainda, mesmo considerando o contexto desfavorável, a maior parte dos entrevistados pretende ampliar seus gastos com inovação. Em jogo, a compreensão de que a inovação não é adereço que se utiliza ocasionalmente para melhorar um posicionamento de mercado. Para essas empresas, inovação é fruto de um processo permanente para aumentar e sustentar sua competitividade. São vários os estudos que mostram as vantagens das empresas que inovam em relação às que não inovam, em termos do ritmo e intensidade de crescimento, de preço, de qualidade dos produtos e serviços, dos salários e da qualificação funcional, da dinâmica de sua inserção nos mercados externos, como o mapeamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou. O estudo do BCG destacou que as empresas mais ágeis aumentaram seu compromisso com a inovação como forma de enfrentar a desaceleração da demanda e elevar o grau de racionalização do investimento. É sempre bom lembrar que empresas líderes como a Nokia, Microsoft, Google e Samsung nasceram, cresceram e globalizaram seus negócios em momentos em que as condições não eram as mais favoráveis. A China, que sairá fortalecida da crise, se esforça para concentrar os investimentos e manter o foco em inovação, apoiando a expansão de suas empresas no mercado externo com montantes da ordem de US$ 200 milhões. O Brasil criou recentemente uma linha de financiamento no BNDES com objetivos similares, ainda que não exista nenhum plano robusto de apoio à internacionalização de nossas empresas, a exemplo dos executados hoje na China, Índia e mesmo no México. A montagem de um radar de oportunidades e a realização de fóruns especiais para aprofundar esse debate podem ajudar as empresas brasileiras a entrarem em áreas com tecnologias que o Brasil ainda não domina. Se dependerem apenas dos temores e humores dos mercados, as empresas – e o País – correm o risco de perder mais uma vez terreno para a China e Índia e não aproveitar as oportunidades abertas pela crise. A internacionalização das empresas brasileiras é chave para o sucesso da política industrial. A sua expansão nas áreas intensivas em conhecimento é essencial para a elevação do patamar de competitividade da nossa economia, fora e dentro do País. —————————————————————————————— Glauco Arbix é professor da USP, coordenador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados. Pesquisador da Fapesp e do CNPq. Zil Miranda é doutoranda em sociologia pela USP e bolsista da Capes na Universidade Califórnia-Berkeley. (Fonte: Valor Econômico)

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