17/01/2017
A diretora da Anpei Luciana Hashiba participou da matéria “Calmaria inquietante”, publicada na edição de janeiro da Revista Pesquisa Fapesp. Em entrevista ao jornalista Fabrício Marques, Luciana observou que os programas de apoio do governo vêm se sofisticando, mas que ainda há dificuldades para uso dos instrumentos. De acordo com a diretora da Anpei “o acesso é mais viável para grandes empresas e há instrumentos também para as microempresas, mas as pequenas empresas que estão se transformando em médias ainda têm dificuldade de obter ajuda, por conta das garantias exigidas”. Confira a matéria na íntegra.
Calmaria inquietante
A Pesquisa de Inovação (Pintec) de 2014, divulgada no dia 9 de dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que o resultado do esforço de inovação das empresas brasileiras entre 2012 e 2014 manteve-se estável em relação ao triênio anterior. Das 132.529 empresas brasileiras privadas e públicas pesquisadas, dos setores industrial, de serviços selecionados e de eletricidade e gás, 36% lançaram ou aprimoraram produtos ou inovaram em processos. Essa porcentagem, que espelha a chamada taxa geral de inovação, foi ligeiramente maior que os 35,7% registrados na edição anterior da pesquisa, que avaliou as empresas no triênio de 2009 a 2011. O patamar ainda está aquém dos 38,6% obtidos na pesquisa feita entre 2006 e 2008.
Se a taxa de inovação ficou estável, outros indicadores revelam um crescimento dos obstáculos para inovar no período estudado pela pesquisa, sobretudo no setor industrial, que responde por quase 90% da amostra avaliada pela Pintec. As indústrias investiram em atividades inovativas no período 2,12% de sua receita líquida total de vendas, o menor patamar registrado na série histórica da pesquisa. A taxa em 2011 foi de 2,37% e em 2008, de 2,54%. Esse percentual inclui os investimentos em atividades internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), aquisição externa de P&D, aquisições de conhecimento externo, de softwares e de máquinas e equipamentos, treinamento, introdução de inovações no mercado e projetos industriais. “A indústria foi o setor que mais acusou a crise. E a postura das empresas foi apenas reativa, tendo como foco principal a inovação em processos e não em produtos”, diz o economista Alessandro Pinheiro, gerente da Pintec.
Já nas empresas selecionadas do setor de serviços, o investimento em atividades inovativas em relação à receita líquida de vendas foi de 7,81% em 2014, ante 4,96% em 2011. E entre as empresas de eletricidade e gás, embora tenham de investir em P&D por imposição legal, houve queda de 1,28% em 2011 para 0,57% em 2014. “Como a série histórica de dados sobre as empresas de eletricidade e gás é bem mais curta do que a das indústrias, é prudente aguardar as próximas pesquisas para avaliar tendências de longo prazo”, diz David Kupfer, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade da universidade.
Apesar da redução de investimentos, a taxa de inovação no setor industrial aumentou de 35,6% em 2011 para 36,4% em 2014. Nesse universo, 18,2% inovaram apenas em processos, 3,8% só em produtos e 14,5% em produtos e processos. Alguns segmentos se destacaram. Entre as indústrias extrativas, o percentual de empresas inovadoras subiu de 18,9% para 42% entre as duas pesquisas. No caso da indústria de transformação, o aumento foi de 35,9%, em 2011, para 36,3%, em 2014, mas o desempenho variou bastante entre os subsetores. No segmento automobilístico, a taxa subiu de 29,1% em 2011 para 39,1% em 2014. Já no químico, houve queda de 59,1% para 49,6%.
“A inovação no Brasil andou de lado nesse período”, diz David Kupfer. “Para mim, foi surpreendente que não houve uma queda. O período de 2012 a 2014 ainda não era de crise aberta, mas a pesquisa foi respondida em 2015, em um quadro já bastante pessimista que deve se refletir de forma ainda mais aguda na próxima pesquisa.” Kupfer observa, contudo, que alguns analistas esperavam um resultado mais robusto. “O Brasil vinha de uma intensa mobilização empresarial em prol da inovação, com um aumento dos dispêndios com P&D em vários setores”, afirma.
O economista André Tosi Furtado, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp), chama a atenção para a evolução de um indicador específico utilizado para medir o esforço tecnológico da indústria: a incidência sobre a receita líquida de vendas das empresas dos dispêndios realizados em atividades internas de P&D. “A intensidade de P&D interno evidencia o esforço mais nobre e criativo em inovação e, no setor industrial, ele não se comportou bem em 2014. Em períodos de crise, as empresas tendem a buscar resultados de curto prazo e cortar investimentos e isso parece ter acontecido com a indústria, que vem diminuindo de tamanho no PIB brasileiro”, afirma.
Tanto em setores vinculados à produção de commodities quanto nos ligados ao abastecimento do mercado o investimento interno em P&D caiu na comparação com a Pintec anterior, observa Furtado. No total da indústria da transformação, o indicador caiu de 0,72% em 2011 para 0,68% em 2014. Em alguns subsetores, a queda foi discreta. No caso da indústria automobilística, apesar de programas de estímulo do governo como o Inovar Auto, caiu de 1,28% para 1,1%. Em dois setores em que predominam grandes empresas e que mantêm equipes de P&D bastante estruturadas, os números indicam uma redução mais acentuada. Na indústria de produtos de limpeza e cosméticos, caiu de 3,68% em 2011 para 1,1% em 2014, e no setor de equipamentos eletromédicos, a queda foi de 7% para 1,63%.
“Não são bons augúrios. A retração aconteceu em setores que vinham obtendo avanços em termos de intensificação de P&D, como o farmacêutico, e outros que são fundamentais para o esforço em P&D no Brasil, como o químico e o de petróleo”, diz André Furtado. Apesar das más notícias, o economista adverte que não se deve subestimar a capacidade de reação das empresas brasileiras. “O país ainda é uma força considerável em P&D, apesar de tudo o que se fala. Se formos comparar com vizinhos e competidores da América Latina, como a Argentina, o Chile ou o México, veremos que esses países têm esforços muito inferiores em termos de P&D industrial. Entendo que esse esforço vai prosseguir, apesar da inflexão registrada nessa última Pintec.”
A pesquisa aponta uma mudança na composição dos investimentos em inovação no setor industrial, com a ampliação de aquisição pelas empresas de P&D de fontes externas, ou seja, de atividades de P&D realizadas por instituições científicas e tecnológicas ou outras empresas. “Parece ser um sinal de que a chamada inovação aberta é uma estratégia na qual as empresas veem potencial, pela possibilidade de somar esforços e compartilhar riscos”, avalia Luciana Hashiba, diretora da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), referindo-se ao processo de inovação baseado em uma rede externa de parceiros, em que há lugar para universidades, parceiros próximos ou de outros países, fornecedores e até mesmo concorrentes e clientes. “Fizemos recentemente um workshop na Anpei e observamos que várias empresas consideram importante trabalhar em rede”, afirma.
Essa tendência é mais visível em setores como o de cosméticos, no qual a aquisição externa de P&D passou de 0,07% da receita líquida em vendas em 2011 para 0,51% em 2014. “A busca de fontes externas evidencia uma estratégia das empresas de sobreviver às adversidades, mas se sabe que não se pode subcontratar todo o P&D. Isso precisa ser complementado com P&D interno para ser devidamente apropriado pela empresa”, ressalva André Furtado, da Unicamp.
Outro dado importante foi o aumento da proporção de empresas pesquisadas que foram beneficiadas por algum tipo de incentivo do governo à inovação. A taxa foi de 40%, ante 34,2% na pesquisa anterior. No grupo das indústrias, o percentual vem evoluindo nas últimas três pesquisas. Foi de 22,8% entre 2006 e 2008, de 34,6% entre 2009 e 2011 e agora alcançou 40,4%. “É razoável supor que um dos fatores que contribuíram para a estabilidade da taxa de inovação foi o apoio governamental”, afirma Alessandro Pinheiro, da Pintec.
O aumento do percentual de empresas que declaram ter recebido suporte do governo não significa, contudo, que houve aumento de recursos investidos. Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o investimento em P&D beneficiado pela chamada Lei do Bem, criada em 2005, foi de R$ 6 bilhões em 2012, R$ 9 bilhões em 2013 e R$ 9,9 bilhões em 2014, patamar inferior ao obtido em 2008, que foi de R$ 12,4 bilhões. “Uma coisa é o percentual de empresas que declaram ter recebido apoio. Outra é o valor e a forma. Aumentou, por exemplo, o número de empresas que usavam a Lei do Bem, mas caiu o apoio direto via subvenção”, afirma o economista Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP.
Luciana Hashiba, da Anpei, observa que os programas de apoio do governo vêm se sofisticando, mas ainda há dificuldades para uso dos instrumentos. “O acesso é mais viável para grandes empresas e há instrumentos também para as microempresas, mas as pequenas empresas que estão se transformando em médias ainda têm dificuldade de obter ajuda, por conta das garantias exigidas”, afirma. “Uma cultura de inovação se cria no médio e no longo prazo. A questão é saber até que ponto o risco macroeconômico vai se refletir na predisposição das empresas para inovar e se elas conseguirão voltar a ter apetite para a tomada de risco.”
O financiamento para compra de máquinas e equipamentos foi a principal forma de apoio governamental utilizado, alcançando 29,9% das empresas inovadoras, 4,3% a mais do que no triênio anterior. Já os incentivos fiscais a P&D e inovação tecnológica previstos na Lei do Bem foram utilizados por 3,5% das empresas inovadoras, ante 2,7% registrados na pesquisa anterior. Compras públicas de produtos inovadores beneficiaram 2% do total das empresas que inovaram – no setor industrial, o percentual foi de 1,4%. Foi a primeira vez que a Pintec avaliou o impacto de programas de compras públicas nas empresas brasileiras.
O setor de eletricidade e gás foi um dos mais afetados no período analisado pela Pintec. A proporção de empresas inovadoras nesse setor correspondia a 44,1% do total pesquisado em 2011 e a taxa caiu para 29,2% em 2014. No setor de serviços, o desempenho no segmento dos serviços em telecomunicações teve grande destaque em 2014. O crescimento do investimento em P&D do setor passou de pouco mais de R$ 1,1 bilhão em 2011 para cerca de R$ 4,2 bilhões em 2014. “O ano de 2014 foi o ápice de investimentos em serviços de telecomunicações, que se justificaram pela implantação de tecnologias e grandes eventos como a Copa do Mundo”, afirma Alessandro Pinheiro. “A magnitude dos investimentos foi grande e, apesar de o setor de serviços pesar relativamente pouco na Pintec, pode-se dizer que ajudou a sustentar o desempenho geral.” Nesse segmento dos serviços em telecomunicações, o percentual do dispêndio em atividades inovativas em relação à receita líquida de vendas subiu de 3,66% em 2011 para 9,99% em 2014. “É importante notar que esse crescimento se deu na aquisição de P&D externo, ou seja, são as empresas do setor comprando pesquisa e conhecimento de outras empresas, universidades ou institutos de pesquisa”, informa nota técnica sobre a Pintec 2014 lançada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), organizada pela economista Fernanda de Negri e colegas.
Em 2014, do total de 94.277 pesquisadores nas atividades internas de P&D das empresas inovadoras no Brasil, apenas 19.660 eram mulheres, o equivalente a 20,8%. Foi a primeira vez que a Pintec levantou esse dado. Há mais mulheres trabalhando com P&D na indústria (22%) do que em serviços (18,2%) e em empresas de eletricidades e gás (16,1%). Entre os ocupados em atividades de P&D nas empresas, 63,4% são pesquisadores, 28% são técnicos e 8,6%, auxiliares. Em 2011, havia mais pesquisadores (65,3%) e menos técnicos (26,4%) e auxiliares (8,4%). Das pessoas que trabalhavam com as atividades de P&D, 71,5% tinham nível superior, sendo 61,4% graduação e 10,2% pós-graduação. Em 2011, o total de funcionários com nível superior era de 69,2%, com 58,5% de graduados e 10,7% de pós-graduados.
(Revista Pesquisa Fapesp)