07/06/2016
Em entrevista ao Jornal O Tempo, de Minas Gerais, o presidente da Anpei, Gerson Pinto, citou 5 pontos burocráticos que dificultam o desenvolvimento de C,T&I no país. Confira a matéria e o infográfico produzido a partir da entrevista realizada com o empresário.
Confira a matéria:
Cientistas usam criatividade para ‘sobreviver’ no Brasil
Um caso emblemático de dificuldade burocrática quase impediu o Brasil de desenvolver a primeira linhagem de células-tronco nacionais. O mTeSR (pronuncia-se “emitízer”) – meio de cultura especial vindo do Canadá, que precisa ser conservado a -73°C – ficou retido em pleno calor na alfândega do Rio de Janeiro, obrigando os cientistas a se revezarem durante dias para preservar o líquido com gelo seco, até a liberação da importação. Outra opção criativa encontrada pelos pesquisadores foi desenvolver uma nova substância, MaSeR (pronuncia-se “mêizer”), quatro vezes mais barata que a importada.
Esse caso, ocorrido em 2010, é emblemático não só pelo fato em si, mas por mostrar, mais de seis anos depois, que os pesquisadores muitas vezes têm que agir buscando alternativas para seguir com seus projetos sem serem completamente travados por esse labirinto entre burocracia e ciência. Isso apesar de cientistas, universidades, órgãos de fomento e governo terem o diagnóstico preciso do problema nas mais diversas áreas.
Apesar de todos os entraves e distorções que o sistema brasileiro de pesquisa impõe, o cientista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ado Jório conseguiu dar um jeito no problema. Ele criou um setor para tirar toda a carga burocrática das mãos dos pesquisadores.
“No Departamento de Física, temos uma secretaria de convênios, com funcionários especializados. Não precisamos lidar com os trâmites das importações, o que é raro no Brasil. Tem três pessoas exclusivamente dedicadas à gestão de projetos, desde a compra até a prestação de contas. Isso tira uma carga burocrática enorme do pesquisador”.
Segundo Ado Jorio, o Departamento de Física da UFMG é o único no país majoritariamente voltado para a física experimental. Na prática, isso significa que sente mais os gargalos da importação de produtos científicos. “Para conseguirmos sobreviver, tivemos que criar uma estrutura com essa secretaria de convênios forte”, diz o cientista.
Para o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, sem alternativas como essas adotadas pela UFMG, fica difícil superar empecilhos burocráticos, com “estrutura engessada das instituições públicas de ciência e tecnologia, que são responsáveis pela quase totalidade da pesquisa realizada no Brasil”.
Segundo Davidovich, carreiras pouco motivadoras, estrutura administrativa e de cursos obsoletos e pouco flexíveis nas universidades e institutos de pesquisa com foco difuso também são obstáculos. “Os programas rígidos e sobrecarregados de disciplinas nas universidades impedem o avanço dos melhores alunos e dificultam o atendimento àqueles com formação deficiente”, diz.
A Finlândia, país no extremo norte europeu, só está no topo dos países mais inovadores, de acordo com a avaliação do médico e cientista brasileiro Miguel Nicolelis, porque em 1970 decidiu fazer uma verdadeira revolução educacional.
“A Nokia, que era uma empresa de floresta de madeira, queria começar a investir em microeletrônica. Como eles não tinham profissionais que pudessem ser contratados, a empresa exigiu do governo engenheiros locais. Junto com a sociedade, fizeram essa revolução que tem eco no mundo inteiro. Há anos as crianças finlandesas ocupam os primeiros lugares nos índices dos exames internacionais de matemática, ciência e raciocínio lógico”, disse ele durante palestra recente em Belo Horizonte.
Nos Estados Unidos, diz Nicolelis, qualquer criança tem um vasto acesso a diferentes meios de produção e educação científica de alto nível, pois, mesmo morando longe de metrópoles e capitais, é possível encontrar perto dela universidades, institutos de pesquisa, museus, feiras, entre outros recursos. “Depois da Guerra Civil, os Estados Unidos ficaram completamente arrasados. Não havia nada, a ciência era feita na Inglaterra, na França, na Alemanha, e, então, eles decidiram criar um processo com focos de investimento científico distribuído”, relata.
“Nessa mesma época, o empresário norte-americano e visionário Johns Hopkins fez a maior doação privada para reconstruir o Sul dos EUA. Investindo na educação, ele criou a maior receptora de subsídios públicos norte-americanos, a Universidade Johns Hopkins, e foi espalhando núcleos de tal maneira que pudessem irradiar conhecimento para cobrir o país inteiro”, conta.
Brasileiro cria modelo de negócio inovador nos EUA
Dono de 300 patentes nos Estados Unidos e outras 300 pelo mundo, que lhe renderam até então US$ 80 milhões, o cientista Carlos Paz desembarcou, aos 17 anos, para um intercâmbio nos Estados Unidos, de onde nunca mais saiu. Lá, o empresário e professor da Universidade de Colorado usa como estratégia trabalhar sempre à frente do que as grandes empresas na área de semicondutores estariam pesquisando.
“Assim nós resolvemos um problema fundamental: patenteamos de forma global e licenciamos a patente. Esse modelo de negócio e pesquisa não é viável no Brasil, devido ao atraso tecnológico e à falta de conhecimento de mercado nessa área. Além disso, as universidades, sem muita estratégia do governo federal, não têm a mínima chance de transformar suas pesquisas em produtos”, critica.
Apesar de nunca ter trabalhado no Brasil, Paz acredita que, aqui, a ciência é confundida com tecnologia, e engenharia nunca é entendida como o agente transformador, prejudicando o caminho da ciência até o mercado. “Sem uma vocação nacional para criar estratégia, como se estivéssemos em tempos de guerra –, pois estamos numa competição econômica baseada na criação e no domínio de tecnologias globais –, não teremos direção e muito menos metas de excelência em certas áreas. A ciência no Brasil está num sono triste, que termina gastando muito e fazendo pouco. Tecnologias que deveriam ser criadas terminam sem chegar ao nível de qualidade internacional para competir.
Terminamos assim, com um sistema que nem educa, nem tem a influência na economia que deveria ter”, diz. (LM)