A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência de fomento vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, contará, no próximo ano, com orçamento de R$ 3 bilhões, montante 10 vezes maior do que os recursos disponíveis em 2002. Segundo seu presidente, Luis Fernandes, depois do forte incremento de recursos, a última peça que falta para a política industrial brasileira, direcionada para a inovação, é a regulamentação do Poder de Compra do Estado. A Finep também vai mudar de perfil e passará a ser um banco de desenvolvimento. Para isso, precisa se capitalizar e ter o voto favorável do Conselho Monetário Nacional (CMN), o que deverá ocorrer até o final deste ano. Tele.Síntese – Qual é o papel da Finep na nova Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)? Luis Fernandes – É o de ser agente brasileiro de fomento à inovação. A política industrial desta segunda fase traz a inovação para o coração da política de desenvolvimento. A política industrial de períodos anteriores, que sustentou a industrialização do Brasil, não previa a tecnologia nacional como esforço do desenvolvimento, já que a idéia era atrair investimentos. A Finep opera instrumentos que apóiam desde a geração até a aplicação do conhecimento: da pesquisa básica nas universidades com recursos não-reembolsáveis, até crédito na ponta para as empresas inovadoras, passando pelo novo mecanismo, que é o de subvenção econômica, ou seja, aporte não reembolsável para atividades de pesquisa e desenvolvimento em empresas. Tele.Síntese – Um dos grandes problemas das empresas de software é que elas não conseguem apresentar as garantias exigidas nos financiamentos tradicionais. Fernandes – Sim, em geral as micro e pequenas empresas têm problemas de garantias para apresentar. A subvenção está em execução desde 2006. No último edital nacional, cujo resultado será conhecido em meados de outubro, das 2.600 propostas, 1.200 eram da área de tecnologia de informação de comunicação. Tele.Síntese – Esta subvenção é a linha que mais deu certo na Finep? Fernandes – Ela é a de maior novidade, mas não a que mais deu certo, porque cada um dos instrumentos tem um perfil e um objetivo. E, mesmo a subvenção, conta com vários recortes. O resultado a ser divulgado em outubro refere-se ao edital nacional, focado nas áreas mobilizadoras estratégicas da PDP, que incluem TICs, complexo industrial da saúde, energia nuclear, nanotecnologia, biotecnologia e complexo industrial de defesa. Além do edital nacional, temos um programa com os estados, que é focado em micro e pequenas empresas, com rebatimento forte na área de tecnologia da informação e comunicação. Além disso, temos um programa, via subvenção, de apoio à contratação de mestres e doutores em empresas, que atinge toda a economia. Mais recentemente, em fase de implantação, foi lançado o programa Primeira Empresa, a subvenção apoiando a constituição de empresas de base tecnológica e incubadoras. No caso da subvenção, não se exige garantias. Tele.Síntese – Não há falta de projetos? Fernandes – Não. Mesmo com o grande incremento no aporte de recursos da Finep, há demanda não atendida em todos os segmentos e todos os setores. Tele.Síntese – O ministro da Ciência e Tecnologia informou que, na proposta orçamentária de 2009, enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional, não haverá contigenciamento (corte nas verbas) dos fundos setoriais de C&T. Isso vai representar quanto de recursos para a Finep? Fernandes – Orçamento de R$ 3 bilhões. Dos quais R$ 2,8 bilhões para ações de financiamento não-reembolsável e uma captação de R$ 270 milhões para ações de crédito. Tele.Síntese – Nesse terceiro chamamento da subvenção, a Finep incluiu soluções de baixo custo para internet banda larga. Qual é a expectativa? Fernandes – É democratizar o acesso à internet, na preocupação com a agenda da inclusão digital de uma maneira ampla. E vamos apoiar o desenvolvimento de tecnologias que possam contemplar essa política, tanto para facilitar o acesso quanto para o desenvolvimento de conteúdos que possam dar suporte as ações de e-governo, explorar a convergência digital, e de se convergir o celular para essa agenda. Tele.Síntese – A Finep já tem algum resultado concreto de produtos gerados a partir dessa subvenção? Fernandes – Ainda não. A subvenção é muito recente. A maturação depende de cada setor. Na área da saúde, por exemplo, os projetos, para darem resultados, demandam de sete a oito anos. Nas TICs, o prazo é menor. Vamos ter uma referência importante na pesquisa do IBGE do próximo ano, porque um censo específico para o setor vai poder captar os impactos dos novos instrumentos implementados. Há estudos que mostram que instrumentos da Finep e do BNDES de apoio à inovação comparados com empresas não-beneficiárias têm resultados evidentes seja em termos de aumento de competitividade no mercado; viabilização econômica da empresa; registro de patentes; ou de consolidação de atividades contínuas de P&D no interior da empresa. Tele.Síntese – Em épocas passadas, o governo usava o Poder de Compra do Estado também como um instrumento de política industrial. Na política atual, só se fez algo nessa direção na área da saúde. O que o senhor acha desse instrumento? Fernandes – Uma ação ampla e efetiva de Poder de Compra é a peça que está faltando na política de desenvolvimento nacional. Tele.Síntese – A quem cabe fazer essa ação? Fernandes – O Executivo e o Legislativo têm que fazer uma ação conjunta, pois é preciso mudar a legislação. Hoje, prevalece a Lei n° 8.666 (que rege as compras públicas) e que trata por igual um objetivo da inovação, uma área de ciência e tecnologia e uma lata de lixo em uma repartição pública. Isso precisa mudar. É necessário um esforço nacional integrando Executivo, Legislativo e que terá impacto também sobre o Judiciário e os órgãos de controle. Isso implica mudança de maior vulto no País. Há iniciativas isoladas, como essa da área da Saúde. De certa maneira, também, a própria subvenção no edital nacional da Finep é uma espécie de demanda do Estado, pois direciona recursos para a inovação que o País quer ter. Mas é preciso que o façamos em de forma de edital, de chamada pública. São mecanismos encontrados para compensar as restrições que ainda existem a uma política mais agressiva de compras governamentais que é a grande peça que falta para encaixar a política de desenvolvimento do País. A questão está identificada e há participações de diferentes órgãos do governo para formular uma proposta. Tele.Síntese – O Poder de Compra entra na agenda do próximo ano? Fernandes – Para ter efetividade, precisa entrar na agenda antes do final do governo. De preferência no próximo ano, para dar tempo para a discussão e para ficar como legado para a nova administração que vai assumir após 2010.
Presidente da Finep quer poder de compra do Estado apoiando a inovação
Tele.Síntese – A Finep está estudando sua reestruturação. Por quê? Fernandes – O objetivo principal que deflagrou o processo de planejamento estratégico é o novo porte dela. Por exemplo, o orçamento do próximo ano é 10 vezes maior do que o orçamento da Finep de 2002. O crescimento é muito grande, com uma estrutura que é basicamente a mesma: o mesmo número de funcionários, de sistemas de informação, de estrutura organizacional. No meio desse processo, surgiu um novo elemento que reforça esse planejamento, que é o encaminhamento do voto de reconhecimento da Finep como instituição financeira pelo Conselho Monetário Nacional. Tele.Síntese – Esse voto já foi encaminhado? Fernandes – O voto está pronto. Estamos em negociação com o Banco Central para as medidas que serão necessárias e o tempo de transição para a implementação dessa mudança. Tele.Síntese – Qual será a vantagem dessa mudança. Hoje há restrições à capitalização da Finep? Fernandes – A Finep não tem restrições para captar no mercado, mas entendemos que ela é um instrumento de compartilhamento de risco por parte do Poder Público e o ideal é que seja capitalizada pelo seu sócio majoritário, que é a União. Portanto, precisará ser monitorada como instituição financeira. A Finep foi criada em 1967 como instituição financeira, mas como não é reconhecida como tal, ela tem algumas limitações. Com esse novo enquadramento, consolida-se uma parte de sua atuação, que vai nos permitir assumir mais as funções de banco de desenvolvimento. Poderemos articular parcerias que permitam maior enraizamento de crédito no País, parcerias com outras agências nacionais de desenvolvimento, além da própria assessoria que passa a ser dada pelo Banco Central. Com essa assessoria, teremos uma nova estruturação dos sistemas de informações e os sistemas de contabilidade terão que ser mudados. É uma oportunidade que se abre para consolidar a Finep nesse novo patamar em que se encontra. Há um conjunto de desafios associados. E o principal deles é a capitalização. Hoje o nosso capital de referência é baixo. E esse movimento está em curso. Com R$ 1 bilhão nós resolvemos o problema. Tele.Síntese – Quais são os passos: primeiro a capitalização e depois o reconhecimento pelo CMN? Fernandes – É um pacote conjunto. Estamos negociando com o Banco Central ações do pleno reconhecimento da Finep como instituição financeira. Tele.Síntese – Sai ainda este ano? Fernandes – A nossa expectativa é que o voto saia até o final do ano. E com o voto, a questão da capitalização já estará amarrada. Tele.Síntese – O fato de a Finep virar banco, não a amarra também a taxas de juros mais altas do que suas linhas atuais? Fernandes – Não, porque os recursos oriundos do FNDCT, do Fundo Verde-Amarelo, que tornam mais barato os custos de captação das empresas não mudam. Nós vamos ser reconhecidos como instituição financeira, mas com perfil próprio. Os instrumentos de subvenção, de equalização de taxa de juro continuarão a existir. Tele.Síntese – Um dos gargalos atuais é falta de mão-de-obra, pelo menos nas TICs. De que forma a Finep pode contribuir para reverter esse quadro? Fernandes – É uma preocupação geral. Temos canalizado recursos de fundos setoriais especificamente voltados para ampliar a formação de recursos humanos em áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional, conforme as prioridades da PDP. Isso se traduz em um conjunto de iniciativas focadas no fortalecimento de engenharia nacional, com recursos tanto para ampliar o número de formandos na graduação e pós-graduação como para apoiar programas de escolas técnicas voltadas para desafios na área de engenharia. Temos programas específicos voltados para a formação de recursos humanos em TICs; repassamos recursos dos fundos para o CNPq ampliar o programa de bolsas em áreas estratégicas da política industrial. Esse é um grande gargalo, mas é um gargalo bem-vindo, porque mostra que o País entrou no ciclo de desenvolvimento sustentado. Há pouco tempo nosso problema era oposto: excesso de formação de mão-de-obra, com grande número de doutores e mestres que não estavam sendo absorvidos pelo mercado. Tele.Síntese – Quais são as áreas mais necessitadas? Fernandes – Há escassez em todos os níveis. No quadro técnico, esse é mais fácil de resolver. Há escassez de quadros de qualificação média e há também escassez de capacidade de pesquisa de ponta. Há um estudo do CNPq que mostra que o Brasil, fruto de esforço de várias gerações, já chegou a 2% da produção científica mundial, medida em “papers” publicados em revistas científicas. Tele.Síntese – É um percentual baixo? Fernandes – Não, o Brasil tinha 0,4% há 20 anos. Ele quintuplicou sua participação relativa em 20 anos. É muita coisa. Esse desempenho é equivalente hoje à participação do Brasil no PIB mundial, que é de 2% e é o dobro de nossa participação no comércio mundial, que é de 1,1%. A China também cresceu muito nos últimos tempos na produção científica. O estudo do CNPq decompôs essa produção por área do conhecimento e o que se destaca de longe na China são artigos científicos de engenharia – quase metade -, e, no Brasil, a engenharia aparece em quinto ou sexto lugar. Esse é um grande desafio, pois a engenharia é uma das áreas que mais se casa com a inovação. (Tele.Síntese)