02/08/2016
O governo e a comunidade científica devem fazer um esforço conjunto pela regulamentação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016), pois a demora na edição de um decreto neste sentido vem atrasando os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. A lei foi sancionada há seis meses, com vetos da presidente da República, Dilma Rousseff.
Este foi o teor dos debates no seminário “O Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação” (MLCTI): Instrumentação de Ambiente Menos Propenso a Crises, realizado ontem, 2 de agosto, numa promoção conjunta do Senado Federal e da Câmara dos Deputados
O vice-presidente da Anpei, Luiz Mello, esteve presente no seminário e apontou que o debate foi bastante construtivo, já que contou com o ponto de vista de diversas instituições. “É relevante perceber que a derrubada dos vetos é consensual, no entanto, aparentemente o entrave está nas esferas fiscais. Há um entendimento de que a Receita Federal e o Ministério da Fazendo precisam ser convencidos sobre a importância da derrubada dos vetos”, disse Mello, que também elogiou o trabalho realizado pelo GT da Anpei que está à frente desse tema. “Os argumentos da Associação são bastantes claros. A Anpei se posicionou perante os vetos e isso foi muito positivo. As atenções agora são para o aperfeiçoamento da Lei e para sua regulamentação. O grupo trabalhou com uma força intensa, se debruçou sob o MLCTI e fez um excelente trabalho. Acho que temos uma posição que contribui muito para esse aperfeiçoamento”.
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab, concorda que o vácuo na lei traz insegurança jurídica e disse que a Pasta é favorável à edição de uma medida Provisória, mas observou que essa redação não depende do ministério. Por isso, Kassab sugeriu que o Congresso dê caráter de urgência ao projeto de lei (PLS 226/2016) proposto pelo senador Jorge Viana (PT-AC) – e apoiado pelo líder do governo interino de Michel Temer, Aloysio Nunes (PSDB-SP) – que reinsere os tópicos vetados na lei.
“Estou lutando por uma MP, mas ela não está acontecendo, há uma barreira no governo. Vamos andar com o projeto e continuar lutando pela MP”, sugeriu Kassab.
O ministro também insuflou a comunidade científica a participar da consulta pública para a regulamentação da lei, e recomendou a formação de um grupo de trabalho, com as mesmas instituições que participaram da elaboração da lei, para dar contribuições à normatização. Essa também é a opinião da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader.
“O ministério pode ser o indutor do funcionamento do grupo para uma regulamentação rápida. Acredito que o ministério é esse ponto focal. Já perdemos muito tempo”, disse.
Vetos
A comunidade científica sugere o restabelecimento, por exemplo, do artigo que liberava da contribuição previdenciária as bolsas concedidas para projetos de pesquisa de alunos de Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT). Também quer o retorno da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre a compra de máquinas, equipamentos e instrumentos destinados à pesquisa científica.
Outro trecho que querem retomar é a dispensa da realização de licitação, pela administração pública, nas contratações de empresas com faturamento de até R$ 90 milhões anuais para prestação de serviços ou fornecimento de bens elaborados com aplicação sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos, entre outros pontos.
De acordo com Kassab, a Receita Federal propôs os vetos impostos ao projeto, e, por isso, tem dificultado a liberação do texto da MP. Para convencer a equipe econômica e ouvir os argumentos dos contrários, o presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCT), senador Lasier Martins (PDT-RS), sugeriu que se faça uma audiência pública com os ministros interinos da Fazenda, Henrique Meirelles e do Planejamento, Dyogo Oliveira.
“Temos que incentivar, pedir, implorar, já que tem unanimidade de aceitação para a MP. Se a questão é Planejamento e Fazenda, vamos conversar, mas o governo é um só. Isso é um caso de urgência e relevância para o país, precisamos sair da crise, e só saímos disso com Ciência e Tecnologia”, disse também o presidente da comissão de tecnologia da Câmara, deputado Izalci Lucas (PSDB-DF).
Avanços
O arcabouço legal de ciência, tecnologia e inovação, com a Lei de Inovação e a Emenda Constitucional 85, que institucionalizou o Sistema Nacional de CT&I, trazem mais transparência e harmonia para a pesquisa e o desenvolvimento brasileiros, frisou o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Comunicações, Jailson Bittencourt.
Ele destacou uma série de facilidades criadas a partir da lei, como a maior interação entre as universidades e as empresas, a ampliação da participação de pesquisadores acadêmicos nas ações empresariais, a possibilidade de utilização de laboratórios das universidades públicas pelos pesquisadores privados e até mesmo a facilitação na importação de insumos e instrumentos de pesquisa.
“O maior contingente de pesquisadores está no meio acadêmico, não no meio empresarial. Juntar os dois é essencial”, afirmou.
Mas, para que esse auxílio ao setor se concretize e se amplie, acrescentou, é preciso retomar os textos vetados, que afetam especialmente a segurança jurídica para os contratos.
Burocracia
O vice-presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino, atacou a burocracia a que precisam se submeter os pesquisadores brasileiros. Ele criticou o “labirinto devastador” de prestações de contas, os atrasos nos repasses, o excesso de detalhamentos e toda a complicação com detalhes ínfimos que muitas vezes impactam a renovação de convênios e suspendem os recursos, freando as pesquisas.
“O sistema de controle não consegue ser sensível e entender que isso paralisa a própria redenção do país? É a burocracia que ataca a ciência, paralisa o trabalho do pesquisador com perda de foco, cultura da norma, inflexível e que não se adapta ao processo de criação”, lamentou.
O ex-ministro da Ciência e Tecnologia, deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), defendeu um trabalho de “quebra da cultura” de apego excessivo à norma, que é imobilizante, nesses casos.
Já a diretora de Inovação do Instituto Euvaldo Lodi da Confederação Nacional da Indústria (IEL/CNI), Gianna Sagazio, defendeu o aprimoramento do sistema de financiamento, que seja capaz de alavancar o sistema privado, já que o país “não se desenvolve sem uma indústria forte”. Ela criticou a demora, por ação da equipe econômica, da edição da MP que, a seu ver, traria mais segurança jurídica ao investidor.
“Deve ser feito um ajuste fiscal, mas também temos que planejar e agir para o futuro. Temos que focar nossa ação, não adianta falarmos entre nós, temos que convencer quem é contrário”, disse, referindo-se aos ministros da Fazenda, do Planejamento e ao Tesouro Nacional.
O seminário, feito conjuntamente pelas comissões de tecnologia do Senado e da Câmara, foi proposto pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF).
(Com informações da Agência Senado)