Marcela Flores*
Não há como ainda não ter ouvido sobre as soft skills. As ‘habilidades do futuro’ incluem, entre outras coisas, a capacidade de resolução de conflitos, comunicação eficaz, empatia, conhecimento de mundo e ‘cabeça de líder’, por assim dizer. Em resumo, a exigência do mercado de trabalho do futuro tem mais relação com o perfil comportamental e inteligência emocional do que qualquer outra coisa.
Mais do que nunca, ser humano é algo a ser reconhecido pelo mercado de trabalho. Aposentando as velhas práticas e comportamentos engessados do mundo corporativo, damos as boas-vindas à valorização da convivência. Mas preciso fazer um apelo: não abandonem as ‘hard skills’ tão rápido, o conhecimento técnico ainda é essencial. Dominar ao menos uma habilidade ou ferramenta ainda é aposta certa para empregabilidade do presente.
O mercado do futuro será sim mais humano, mas, por hora, ainda é digital. Há de se reconhecer que dominar uma tecnologia ainda tem o seu valor – e é alto. Não é incomum ver empresas padecendo em busca de mão de obra qualificada. Em alguns casos, a situação é exatamente a oposta: o profissional capacitado defronta a carência por empresas que fazem jus ao título de ‘inovadoras’ que com tanto orgulho expõem.
Na caso das organizações, destacar-se não é mais uma mera opção, especialmente em um mercado global e altamente competitivo. É aí que entra a atuação da Propriedade Intelectual (PI). Novas empresas, sobretudo startups, nascem a cada momento, ganham notoriedade, crescem, escalam e morrem logo na sequência (dois anos é o terrível prazo de validade para grande parte delas). Saber explorar os recursos da propriedade intelectual pode, então, ser uma solução para boa parte das dores do empreendedor brasileiro que se vê impedido de avançar no mercado.
Vejo-me na obrigação de tentar explicar o que é, de fato, a Propriedade Intelectual. A PI protege legalmente os direitos relativos à uma criação industrial ou comercial. Aqui também entram os registro de patentes, contratos de transferência de tecnologia, criação de marcas, produtos e até mesmo aplicativos. Apesar das vantagens, como a segurança jurídica em licenciamentos e transferências e o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento, menos da metade das startups brasileiras (42%) utilizam instrumentos de Propriedade Intelectual, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
Um país pode não avançar economicamente apenas graças às suas legislações de PI bem estruturadas, mas, sem dúvida, elas colaboram para isso. Assim, elas se tornam um fator determinante para que inovação, progresso tecnológico e competitividade estejam unidos em uma linha tênue de perfeita harmonia.
Estamos no momento certo para perseguir isso. Veja o exemplo dos BRICS, grupo com as cinco economias emergentes com maior potencial de crescimento do mundo – lê-se Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Apesar de fazer parte desse seleto grupo, nosso país não tem vantagem dentro dele: é o último entre os integrantes em termos de adesão a tratados de cooperação internacional em prol da propriedade intelectual, diz a Câmara do Comércio dos Estados Unidos. Ou seja, até mesmo entre os países que apresentam crescimento exponencial, o Brasil pode – e está – ficando para trás, graças à PI (ou a falta dela).
A verdade é que não é possível crescer economicamente sem demonstrações significativas de avanços que sustentem essa expansão. Uma economia não embolsará investimentos, tampouco avaliações otimistas de agências de risco sem o auxílio de suas corporações, sejam elas públicas ou privadas. E como uma coisa leva à outra, adotar a Propriedade Intelectual como uma estratégia de negócios consolidada impulsiona a inovação, protege e estabelece a empresa como uma referência no seu setor de atuação e mostra diplomaticamente a disposição do país em receber fundos de Venture Capital de braços abertos.
Traçando um paralelo básico, a preservação das criações inovativas para pequenas e grandes empresas é tão importante quanto o conhecimento técnico pessoal que acumulamos ao longo da carreira, e que precisamos para desempenhar determinada profissão. Em tempos de unicórnios brasileiros e votações de novas estratégias nacionais sobre o tema, é muito provável que o uso de ativos de PI passe a ser não apenas mais uma vantagem competitiva, mas um item necessário em todas as cadeias do mercado.
*Marcela Flores é Diretora Executiva da ANPEI (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras)